sábado, 29 de outubro de 2011

THEOI HALIOI

Na mitologia grega os Theói Halioi (em grego Θεοί Άλιοι, “deuses marinhos”), eram Theói do mar mediterrâneo dos mares que ficavam em volta do continente grego. O filósofo Platôn comentou certa vez que os gregos eram como rãs sentadas em torno de uma lagoa: suas muitas cidades abraçavam estreitamente a costa mediterrânea, desde o continente helênico até a Ásia Menor, Kyrénê, Sikelia e o sul da Ítalia. Era natural, portanto, o desenvolvimento de uma rica variedade de Theói Halioi, “divindades aquáticas”. Os Theói do mar grego incluem desde Prôtógonoi, Olýmpioi, Hérôes, Nýmphai, personagens traiçoeiros e Théres.
Parece-nos ser valioso estudar estes Theói por várias razões. Primeiro, porque devido ao fato de que o mar foi uma ameaça importante ao longo da história grega, uma grande quantidade de pensamento moral, cosmológico e mito poético envolvem suas divindades. Segundo, a ampla variedade e raridade dos Theói Halioi gregos parecem encerrar pistas sobre a pré-história da religião grega.

PRÔTÓGONOI

Alguns dos primeiros pensadores gregos converteram as divindades do mar em poderes primordiais. Os Titânes: Okeanós e Tethýs eram os pais dos deuses na Ilíada, enquanto que o poeta espartano Alkman fez da Nereide Thetis uma figura demiúrgica. A canção de Orpheus no Livro I da Argonautiká louva a Oceanís Eurýnomê como a primeira rainha dos Theói, pois era esposa do Gigánte nascido do mar, Ophion.

A cosmogonia pré-socrática de Thalés, que considerava a água o primeiro elemento, pode ser vista como um fruto natural deste pensamento poético.
A primazia dos Theói aquáticos pode ser uma reminiscência, ou ter sido tomada emprestada, da mitologia do antigo Oriente Próximo, na qual Tiamat (a água salgada) e Apsu (a água doce) eram os primeiros Theói de Enuma Elish, e onde se dizia que o Espírito de Théos havia “pairado sobre as águas” no Gênese. Alguns desses Theói eram:

§        Ophion, a grande serpente dos mares no mito órfico;

§        Eurynome, a grande Théa dos mares no mito órfico;

§        Thalassa, personificação feminina do mar mediterrâneo;

§        Aigaios, o grande Théos do mar egeu;

§        Póntos, personificação masculina do mar mediterrâneo;

§        Okeanós, Théos das águas doces e do fluxo na superfície;

§        Tethýs, Théa das águas doces e do fluxo subterrâneo;

HALIOI GERON E NÝMPHAI HALIAI

The sea-goddess Thetis riding a Hippocamp | Greek vase, Apulian red figure pelike
Vários deuses do mar se justam a um mesmo tipo: os Halioi geron ou “anciãos do mar” de Homeros: Nereus, Thaúmas, Phorkýs, Proteus e Glaukos. Todos eles têm o poder de mudar de forma, são profetas, e geraram tanto Nýmphai de radiante beleza como monstros horrorosos. De fato, a diferença entre estes é difusa, pois Hesíodos conta que Phorkýs se casou com “a de belas bochechas” Kétos, cujo nome coincide com o do monstro para o qual Andromédestava destinada a ser sacrificada. Cada aparição destes Theói nos mitos tende a enfatizar um aspecto diferente do arquétipo: Proteus e Nereus por mudar de forma e ser traiçoeiro, Phorkýs como pai de monstros, Nereus e Glaukos como profetas, Thaúmas pela agilidade de suas filhas e Nereus pela beleza de suas filhas.
Cada um destes anciãos é pai ou avô de muitas Nýmphai ou Théres, que às vezes levam nomes bem alegóricos (Thetis, “sistema”; Thelestos, “êxito”), bem geográficos (Rhode de “Rodes”; Neilos, “Nilo”). Cada grupo de ancião com suas filhas é, portanto uma espécie de panteão em miniatura, uma possível configuração diferente do mundo espiritual, moral e físico ordenada em pequeno, e ao redor do mar.
A tentadora figura do Halioi Geron foi uma das favoritas entre os investigadores. Os anciãos foram interpretados de todas as formas, desde sobreviventes dos antigos deuses egeus que presidiam as ondas antes de Poseidon até personificações da especulação arcáica da relação entre a verdade à astuta inteligência.
A Odysseia de Homeros contêm uma inesquecível descrição de uma cova das Nereides em Ítaca, próxima de um porto consagrado a Phorkýs. O filósofo neoplatônico Porphýrios interpreta esta passagem como uma alegoria do universo completo, e pode ser que não haja errado demasiado. Alguns desses Halioi Geron e dessas Nymphai são:

§        Nereus, Théos das praias e das encostas;

§        Phorkys, Théos da névoa marinha;

§        Ketos, Théa dos monstros marinhos;

§        Thaumas, Théos dos ventos marinhos;

§        Eurybia, Théa da fúria do mar;

§        Nereides, Nymphai das marés;

§        Psamathes, Nymphai das praias;

§        Okeanídes, Nymphai do rio oceano;

§        Tritonides, Nýmphai filhas de Triton;
§        Kharybdis, Nymphe do redemoinho do mar;

§        Skylla, Nymphe mostruosa do mar;

§        Thoosa, Nýmphe mãe do Kýklope Polýphemos;
§        Ekhidna, Nýmphe mãe dos mais terríveis Théres com Týphoeus;
§        Seirenes, Nymphai dos sons do mar;

§        Gorgones, Nymphai monstruosas do mar;

§        Graiai, Nymphai feiticeiras do mar;

§        Hapyiai, monstros alados das chuvas;
§        Halia, Nýmphe sagrada da ilha de Rhodes;
§        Rhode, Nýmphe que deu nome a ilha de Rhodes;
§        Dóris, a Okeanis e esposa de Nereus;
§        Thetis, Nereis, esposa de Peleus e mãe de Akhilleus;
§        Khlymene, Okeanis e esposa do Titân Prometheus;
§        Métis, Okeanis e esposa de Zeus e mãe de Athena;
§        Elektra, a Okeanis e esposa de Thaúmas;
§        Amphitrite, Nereis dos mares e dos rios, esposa de Poseidon;
§        Galateia, Nereis amada pelo Kýklope Polýphemos;
§        Psamathe, Nereis das praias arenosas;
§        Benthesikyme, filha de Poseidôn e Théa dos mares tempestuosos;
§        Kymopoleia, filha de Poseidôn e Théa das ondas do mar;
§        Oiolyka, filha de Kymopoleia e Aigaion;
§        Poseidôn, Théos Olýmpios dos mares e dos rios;
§        Triton, filho de Poseidôn e Amphitrite, mensageiro de seu pai;
§        Proteus, Théos dos rebanhos de bestas marinhas;

§        Nerites, único filho homem de Nereus e Dóris;
§        Leukothea, a rainha Inô que foi transformada em Théa;
§        Palaimon, o filho de Inô, Melikertes, que foi transformado em Théos;
§        Helle, mortal transformada em Théa do mar Hellespontos;
§        Glaukos, mortal transformado em Théos dos náufragos;

§        Ketea, serpentes marinhas e filhas de Kétos;
§        Delphines, golfinhos sagrados de Poseidôn;
§        Hippokampoi, cavalhos marinhos sagrados de Poseidôn;
§        Karkinos, caranguejo gigante derrotado por Hérakles;
§        Akheilos, o Théos tubarão dos mares perigosos;
§        Aphros e Bythos, dois Ikhthyokentauroi, dois peixes-centauros;
§        Ikhthyes, os peixes e todos os seres do mar;
§        Telkhines, feiticeiros da ilha de Rhodes, castigos pelos Theói;
§        Tritonoi, guerreiros marinhos de Triton;

POSEIDÔN E OS BASILEÚS

Poseidôn, como deus do mar, foi um importante poder do Olýmpous. Era o principal patrono de Korynthos, muitas cidades da Magna Grécia e também da legendária Atlântida de Platôn.

Os estudiosos da religião antiga podem coincidir no fato de que Poseidên foi um Théos dos cavalos antes de ser um Théos do mar. Como tal, esteve íntimamente relacionado com o cargo pré-histórico de rei, cujo principal emblema de poder e animal de sacrifício fundamental era o cavalo. Desta forma, nas tabuletas micênicas em lineal B achadas em Pylos, o nome Posedawone (Poseidôn) aparece frequentemente relacionado com o de wanax (rei), cujo poder e riqueza eram de natureza cada vez mais marítima que equestre. Surpreendentemente, o nome de Poseidôn aparece com maior frequência que o de  Dius (Zeus), e se relaciona comumente, com frequência em um papel secundário, com Damate (Deméter).
Quando o cargo de wanax desapareceu durante a idade obscura, o vínculo entre Poseidôn e a realeza foi esquecido, embora não totalmente. Na Athenai clássica, Poseidôn era lembrado tanto como oponente, quanto como sósia de Erekteus, o primeiro rei de Athenai. A Erekteus se rendia culto heróico em sua tumba sobre o título de Poseidôn Erekteus.
Em outro possível eco desta associação arcáica, o principal ritual de Atlântida, segundo contava Platôn em Kritias, era o sacrifício noturno de um cavalo oferecido a Poseidôn pelos reis da imaginada nação insular.
Mantendo a ecuação mitopoética entre cavaleiros e marinheiros, os heróis equestres Kastor e Polideukes eram invocados pelos navegantes contra os naufrágios. Os antigos gregos interpretavam o fenômeno hoje chamado fogo de São Telmo como a presença visível dos Hemithéoi.
OS FESTEJOS E O ARTESANATO
O mar, ao mesmo tempo um terreno baldio e origem da prosperidade, espreitava ameaçador e ambivalente na mente grega. Aparte do fluxo e refluxo da pirataria, a viajem marítima estava carregada de perigos sobre-humanos e incertezas até a Revolução Industrial. É impossível avaliar a crise espiritual nas relações da cultura egéia com os perigos do mar e a capacidade de suas divindades que devem ter originado os tsunamis que acompanharam a explosão vulcânica e o colapso de Tera, sobre 1650-1600 a. C. Parece improvável que a percepção do mar e suas divindades sobrevivessem intactos ao cataclisma, e que, portanto o mar se erguesse como um poderoso símbolo do desconhecido e sobrenatural.
Assim o cabo Tanaerum, o ponto em que o continente grego se adentra mais pronunciadamente no Mediterrâneo, foi simultaneamente um importante ponto de referência a navegação, um santuário de Poseidôn e o lugar pelo qual se dizia que Orpheus e Hérakles haviam entrado no Haides.
Este tema é evidente nas paradoxicas festas da sombria divindade marinha Leukothea (“deusa branca”), celebradas em muitas cidades do mundo grego. Identificando-a com a heroína afogada Inô, os adoradores ofereciam sacrifícios enquanto participavam em um frenético luto. O filósofo Xénophanes sinalou uma vez que si Leukothea fosse uma deusa não haveria de chorar por ela, e si fosse mortal não haveria que dedicar-lhe sacrifícios.
Ao mesmo tempo, o sempre parcial domínio do homem sobre o perigoso mar era um dos mais potentes marcos do progresso humano. Este tema se exemplifica na segunda ode coral de Antígonas de Sóphokles:
As maravilhas são muitas, e nenhuma maior que o homem. Seu poder cobre o mar, incluso quando se levanta branco antes dos temporais do vento do sul e faz um caminho sobre as ondas que ameaçam tragá-lo.
Certas divindades marinhas estão, pois intimamente unidas com a prática do artesanato humano. Os Telkhines, por exemplo, eram uma raça de Daimones Halioi, “espíritos aquáticos”, metade humanos e metade peixes dos quais se dizia que haviam sido os primeiros habitantes de Rhodes. Estes seres foram uma vez reverenciados por sua metalurgia e por seu fatal poder do olho do mal. Em Prometheus encarcerado de Aískhilos, o artesão preso é auxiliado pelas filhas de Okeanós e Hephaístos tinha sua forja na “proximidade pelo mar Lemnos”.
A ligação do mar, o outro mundo e o artesanato estão mais notavelmente encarnados nos Kabeiroi da Samothrake, que supervisavam por sua vez a salvação dos naufrágios, a metalurgia e os ritos mistéricos.
ARTE E LITERATURA
Na enormemente marítima Odýsseia de Homeros é Poseidôn em lugar de Zeus o principal desencadeador dos acontecimentos.
Embora a Nereis Thetis apareça somente no princípio e no final da Ilíada, estando ausente em quase todo o resto da obra, parece ser um personagem surpreendentemente poderoso e quase onisciente quando aparece. É capaz de dobrar facilmente a vontade de Zeus, e de dispor para seus fins de todas as forjas de Hephaístos. Sua profecia sobre o destino de Akhilleus indica um grau de pré-cognição de que não dispunha a maioria dos demais Theói no épico.
Na arte helenística, o motivo do marine thiasos ou “assembléia dos deuses do mar” se converteu no tema preferido dos escultores, permitindo-lhes exibir suas habilidades ao representar o movimento fluído e a elegância aquilina de uma forma que não permitiam os temas terrestres.

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